A REALIZAÇÃO DE OBRAS NAS UNIDADES DURANTE PANDEMIA

O síndico pode impedir a realização de obras nas propriedades exclusivas tendo em vista a pandemia (Decreto n. 46.973/20)? 

Diante da pandemia toda a população vem sofrendo “limitações” em seus direitos. Neste artigo, estudaremos o direito à vida (direito coletivo) versus o direito de propriedade (direito individual), bem como abordaremos os dois entendimentos sobre o caso, ou seja, pelo lado do condomínio (paralisação da obra) e pelo lado do condômino (continuidade/realização da obra).

O síndico pode ou não, proibir a realização/continuidade de obra na área privativa (unidade autônoma)?

Não responderemos essa pergunta com apenas um sim ou não, abordaremos abaixo, os dois entendimentos sobre o caso. Assim, o síndico deverá optar pelo entendimento que melhor se aplicar ao caso que enfrentará e as diretrizes de sua gestão.

A questão é delicada e envolve inúmeros desdobramentos. Pelo lado do condomínio, o mesmo quer evitar o trânsito de pessoas e materiais nas áreas comuns. Pelo lado do condômino, o mesmo quer terminar a sua obra, pois, geralmente, a mesma está vinculada a outros compromissos, como, por exemplo, o pagamento do contrato de empreitada (lembrando que, no Rio de Janeiro a construção civil não foi paralisada), prazo para desocupação de imóvel alugado e etc.

Do projeto de Lei 1179/2020 

O projeto de Lei número 1179/2020, de autoria do senador Antônio Anastasia (PSD/MG), que trata sobre o regime emergencial e transitório das relações de direito privado no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19), traz em seu bojo, mais precisamente no capítulo IX, três artigos sobre os condomínios edilícios.

Embora seja apenas um projeto de lei, achamos válido destinar uma breve análise sobre o tema.

O artigo mais importante do projeto de lei para o nosso estudo, sem sombra de dúvidas, é o artigo 15, pois, atribui mais poderes ao síndico além daqueles já previstos no artigo 1.348 do Código Civil. Senão vejamos:

Art. 15. Em caráter emergencial, além dos poderes conferidos ao síndico pelo art. 1.348 do Código Civil, compete-lhe: 

I - restringir a utilização das áreas comuns para evitar a contaminação do Coronavírus (Covid-19), respeitado o acesso à propriedade exclusiva dos condôminos; 

II – restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos, como medida provisoriamente necessária para evitar a propagação do Coronavírus (Covid-19), vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade. 

Parágrafo único. Não se aplicam as restrições e proibições contidas neste artigo para casos de atendimento médico, obras de natureza estrutural ou a realização de benfeitorias necessárias. (grifos nossos) 

Diante de uma breve leitura do referido artigo, verifica-se que o síndico, caso sancionado o projeto de lei, terá poderes para restringir e até mesmo proibir a utilização das áreas comuns do condomínio, todavia, o aludido dispositivo tomou cuidado para não violar o direito de propriedade dos condôminos ao mencionar no final do inciso II que “vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos e pelo possuidor direto de cada unidade”.

Conforme veremos mais a frente, esse é o ponto nevrálgico do presente artigo, o direito individual versus o direito coletivo. Se o condômino não pode sofrer restrição ao uso exclusivo de sua propriedade, como o síndico pode proibir a realização ou a continuidade da obra na área privativa (unidade autônoma)?

Em ato contínuo, o parágrafo único, em sua parte final, destaca que as restrições e proibições não se aplicam as obras de natureza estrutural ou a realização de benfeitorias necessárias.

No nosso sentir, após uma leitura integral e contínua do referido dispositivo, entendemos que o parágrafo único se refere as obras nas áreas comuns, deixando brechas para a realização de quaisquer obras nas áreas privativas, pois no inciso II o legislador foi claro ao mencionar que não haverá restrições ao uso exclusivo pelos condôminos.

Todavia, uma coisa é certa, as obras necessárias e estruturais poderão e deverão ser realizadas, tanto, nas áreas comuns como nas privativas.

Por fim, apenas a título de curiosidade, os dois últimos artigos do capítulo IX do referido projeto tratam sobre a realização de assembleia(2) e prestação de contas do síndico

Tipos de obras – Código Civil

Para melhor compreensão, faz-se necessário uma ligeira explicação/distinção a respeito das obras/benfeitorias trazidas pelo artigo 96 do Código Civil(4).

O parágrafo primeiro trata das benfeitorias voluptuárias que servem “para o mero deleite ou recreio e que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor”.

Já o parágrafo segundo, trata das benfeitorias úteis que “aumentam ou facilitam o uso do bem”. Por último, o parágrafo terceiro traz em seu bojo as benfeitorias necessárias que “têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore”.

Conforme veremos mais a frente, a discussão/divergência entre condomínio e condômino reside nas obras voluptuárias e úteis por não possuírem caráter emergencial.

Já no caso das obras necessárias, entendemos, salvo melhor juízo, que não há discussão quanto a sua realização, pois a sua paralisação/não realização poderá acarretar danos ao condomínio e demais condôminos, como, por exemplo, conserto de uma infiltração, inclusive, o parágrafo único do artigo 15 do projeto de lei 1179/2020 menciona, que este tipo de obra, não poderá ser proibida.

Direito de propriedade - Restrição – Proibição - Utilização da área comum

Como é de sabença notória, estamos vivendo um momento muito delicado, tanto é verdade, que a orientação do Ministério da Saúde, da Organização Mundial de Saúde e dos órgãos governamentais é de ficar em casa, observando a necessidade do isolamento social para restringir a propagação do vírus.

Essa questão se torna ainda mais complexa e tortuosa nos condomínios edilícios, onde várias pessoas com perfis e pensamentos diferentes têm que dividir o mesmo espaço, tendo em vista que existem partes de propriedade exclusiva (apartamentos, salas, lojas) e partes de propriedade comum (5) (garagem, elevadores, escada, piscina e etc).

Embora o apartamento seja uma área de propriedade exclusiva onde o proprietário tem a faculdade “plena” de usar, gozar, alienar e defendê-la, conforme preconizado pelo Código Civil nos artigos 1.228 (6), 1.231 (7) e 1335, I (8), o bem deverá ser utilizado de acordo com os bons costumes e o bem estar social (9).

Em absoluto, o imóvel poderá ser utilizado de forma arbitrária e incondicional, inclusive, tal utilização é vedada pelo parágrafo segundo (10) do artigo 1.228 do Código Civil e, quem se sentir prejudicado, tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde (11).

Se a limitação da utilização da área comum do condomínio não enfrenta maiores problemas ou discussões, não podemos dizer o mesmo da área privativa, conforme veremos abaixo.

Todavia, antes de falar dos referidos problemas da limitação da área privativa, faz-se necessário tecer breve comentário com relação à limitação da área comum.

O condomínio pode limitar e, dependendo do espaço comum, até mesmo restringir a sua utilização (12), como, por exemplo, piscina, academia, salão de jogos e festas, inclusive, o artigo 15 do projeto de lei n. 1179/2020, trata do referido assunto.

Entretanto, a proibição nunca poderá ser total e, muito menos, específica a um determinado grupo de pessoas (profissionais da área da saúde, por exemplo).

Os condôminos, em regra geral, precisam acessar as áreas comuns para saírem de seus apartamentos (13), ou seja, precisam transitar, pelos corredores, elevadores, hall de entrada, garagem, entre outros. Tal direito, está previsto no parágrafo 4º do artigo 1.331 do Código Civil, que diz de forma clara que: “nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público”.

Com relação à proibição de um determinado grupo de pessoas como, por exemplo, os profissionais da saúde, entendemos que é completamente descabido, uma vez que viola o direito de propriedade, direitos fundamentais e colide frontalmente com o princípio da razoabilidade.

Não é razoável, exemplificando, impedir um médico e/ou enfermeiro de utilizar o elevador para chegar a sua residência depois de um longo dia de trabalho.

Depois desta breve consideração, chegamos, finalmente, ao ponto nevrálgico do presente estudo: “O síndico pode impedir a realização de obras nas propriedades exclusivas, tendo em vista a pandemia?”.

Iniciaremos sob a ótica da responsabilidade do síndico de proibir a realização de obras nas unidades (área privativa) e, por conseguinte, trataremos do direito do condômino em fazer/continuar com a obra.

O síndico pode proibir a realização de obra na unidade privativa? 

Antes de abordar o tema, é necessário destacar hipóteses que poderão dificultar a proibição da realização ou prosseguimento da obra em razão da pandemia.

Primeira hipótese: O síndico deverá verificar se a obra está regular, ou seja, se possui RRT ou ART, se tem licença da Prefeitura e se está de acordo com a ABNT NBR 16.280 (norma técnica que regula a realização de obras).

Caso não esteja regular, o síndico deverá solicitar a suspensão da obra, não por conta da pandemia, mas, sim, pela sua irregularidade.

Segunda hipótese: Se a obra é emergencial / necessária e se a sua paralisação acarretará danos ao condomínio e demais condôminos, como, por exemplo, conserto de uma infiltração. Se esse for o caso, entendemos que o síndico não pode e não deve impedir a sua realização, entretanto o síndico poderá criar algumas restrições para a realização da obra, desde que, sejam regras razoáveis para proteção da coletividade.

As obras necessárias e estruturais são tratadas pelo parágrafo único do artigo 15 do projeto de lei 1179/2020 e o síndico não tem o poder de proibi-las.

Terceira hipótese: Verificar se a obra estava em curso. Caso a obra já tenha sido iniciada, sugerimos que o síndico converse com o condômino e veja o que falta para terminar. Caso seja algo simples, que não perturbe o sossego dos demais condôminos e não demande um elevado número de funcionários, entendemos não ser razoável a suspensão do serviço.

Superadas as hipóteses iniciais, passaremos a abordar os fundamentos para a suspensão das obras pelo síndico.

O principal argumento do síndico para paralisação da obra na unidade privativa é o que temos de mais precioso: a vida. O direito a vida é o bem maior, não faz sentido discutir ou defender quaisquer outros direitos antes do direito à vida, pelo simples fato de que o mesmo é marco essencial e necessário para subsistirem os demais direitos.

Sendo assim, o principal argumento do síndico será de que está protegendo a vida, dos condôminos, prestadores de serviços, colaboradores e, inclusive, de quem está realizando e trabalhando na obra.

Neste caso, o direito da coletividade (proteção à vida), se sobrepõe ao direito individual de propriedade de quem está fazendo a obra.

Em que pese à propriedade ser absoluta, a mesma pode sofrer limitações/privações, sendo, neste caso, concernente à realização de obras.

A título de exemplo, o parágrafo 3º do artigo 1.228 do Código Civil prevê a possibilidade de privação da propriedade em detrimento do interesse comum, vejamos:

“§ 3 O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente”. 

O parágrafo citado acima serve, apenas, para comprovar que o direito coletivo prevalece sobre o direito individual. Após uma breve leitura do aludido dispositivo, podemos observar que o proprietário pode ser privado de seu bem em detrimento ao interesse coletivo, ou seja, o proprietário pode ser desapropriado nos casos de necessidade ou utilidade pública ou interesse social.

Ainda no direito da coletividade, é importante destacar que a maioria da população está respeitando o isolamento social e, devido a isso, estão trabalhando de home office e/ou estudando de forma online, razão pela qual, necessitam de sossego para realizar as suas tarefas.

É inegável que barulho e poeira de obra atrapalham a concentração na realização das tarefas, não importando neste momento, o horário da obra, uma vez que estamos vivendo um caso completamente atípico (força maior). Assim, mesmo que a obra seja realizada dentro do horário previsto na convenção e/ou regimento interno do condomínio atrapalhará a coletividade.

Neste sentido, o síndico e/ou qualquer outro condômino que se sentir prejudicado, tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, de acordo com a inteligência do artigo 1.277 do Código Civil (14).

No caso do síndico, o artigo 1.348, II do Código Civil (15), deixa ainda mais claro a responsabilidade do gestor, uma vez que traz em seu bojo que o síndico deverá defender o interesse comum dos condôminos em juízo ou fora dele.

Os artigos 19 de lei 4591/64 (16) e o 1.336, II do Código Civil (17) garantem a utilização “plena” da propriedade, desde que, seja de acordo com os bons costumes e de acordo com as normas de boa vizinhança.

Defendendo a linha da paralisação da obra, não nos parece razoável que a obra continue, pois, além do risco a vida, a obra gerará inúmeros transtornos aos demais condôminos.

O correto seria que essa decisão fosse deliberada em assembleia (18), todavia, devido à impossibilidade de realização e por se tratar de uma questão urgente, sugerimos que o síndico delibere a questão com o conselho/corpo diretivo do condomínio, uma vez que a paralisação da obra poderá acarretar problemas jurídicos ao condomínio.

Do direito do proprietário de continuar/fazer obra em sua unidade privativa 

Agora analisaremos a questão sob a ótica do proprietário, ou seja, da realização ou continuidade da obra.

Sem sombra de dúvida, o argumento mais utilizado pelos síndicos para proibirem a realização de obra é diminuir o trânsito de pessoas no condomínio para evitar o contágio e/ou propagação do vírus (COVID-19).

O argumento é interessante, mas perde a força quando não há proibição e/ou limitação para a entrada/circulação de visitantes, cozinheiras, babás, empregadas domésticas ou qualquer outra pessoa que possa ser vista como vetor de contaminação.

Qual a diferença entre o pedreiro/mestre de obras e a empregada doméstica? 

Qual a diferença entre o pedreiro/mestre de obras e a visita? 

Resposta simples: nenhuma! 

Logo, não faz sentido proibir/suspender a obra sobre o referido argumento. Estamos falando de uma propriedade exclusiva (área privativa), asilo inviolável e protegido pela Constituição Federal (19). O proprietário/condômino possui o direito de usar, fruir, gozar e dispor de sua unidade, conforme determinado expressamente pelos artigos 1.335, I e 1.228, ambos, do Código Civil.

Se o proprietário é detentor destes direitos, o síndico, sem justo motivo e/ou de forma arbitrária, não deve proibir a realização de obra, inclusive, a parte final do inciso II do artigo 15 do projeto de lei 1179/2020, fala que é vedada qualquer restrição ao uso exclusivo pelos condôminos.

Contudo, o gestor do condomínio poderá criar algumas exigências para sua realização, bem como, modificar regras já estabelecidas (desde que, com o aval do conselho), como, por exemplo, a redução do horário para a realização da obra.

Outro ponto relevante é que o serviço da construção civil não foi paralisado pelo Decreto número 46.973/2020 do Estado do Rio de Janeiro, caso contrário, não haveria discussão. Sendo assim, o síndico não encontra respaldo para a referida paralisação/proibição no Decreto, diferentemente, de outros segmentos.

Todavia, entendemos que o síndico tem a o poder de proibir as obras que afetem os demais condôminos e/ou as áreas comuns do condomínio, como, por exemplo, obra na prumada/coluna de água, salvo, nos casos emergenciais.

O problema da paralisação da obra é que, geralmente, elas estão intimamente ligadas a várias obrigações contratuais, seja com relação aos prestadores de serviços / empreiteiros, seja com terceiros, como por exemplo, inquilinos.

Diante disso, indaga-se:

Quem pagará o prejuízo do proprietário com relação ao pagamento extra dos empreiteiros, uma vez que a construção civil não foi suspensa pelo Decreto?

Quem pagará os eventuais aluguéis extras do proprietário? 

Quem pagará as eventuais despesas extras do proprietário com relação à suspensão da obra? 

A relação contratual que o proprietário (dono da obra) possui com o empreiteiro continua hígida, tendo em vista que a construção civil não foi suspensa, ou seja, proprietário não poderá suspender o pagamento do empreiteiro, simplesmente, porque o síndico proibiu a continuidade da obra.

O condomínio, ao proibir a realização de obra na unidade privativa, deverá fazer com muita cautela, uma vez que, poderá responder por eventuais prejuízos causados ao proprietário, com base nos artigos 186 (20), 402 (21) e 927 (22), todos do Código Civil.

Conclusão

Analisada a questão sob as óticas pertinentes, certo é que a ponderação deve ser feita e analisada conforme o caso concreto e as diretrizes da gestão administrativa, exigindo tanto do condomínio, como do condômino, diálogo, bom senso e concessões uma vez que os argumentos são fartos para ambos os lados.

Destacamos que, por se tratar de uma situação nova, inclusive para o universo jurídico, não se deve esperar que todos os pontos sejam direcionados por lei, neste caso, o diálogo e um bom acordo é o melhor caminho para a solução do problema.

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